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A Cor do Tempo: Como a Globalização Desmonta as Tendências

“A cor é a alma das coisas. Mas quem decide qual alma devemos vestir?

Nos últimos anos, assistimos à ascensão de institutos de previsão de tendências, como a WGSN, que se autoproclamam oráculos do zeitgeist (espírito do tempo) visual. Definem, com precisão quase matemática e por meio de pesquisas realizadas por agentes espalhados pelos quatro cantos do mundo, a paleta de cores que regerá temporadas inteiras da moda, do design e até do comportamento.

Em um mundo que se fragmenta entre a hiperindividualização e a massificação dos gostos, surge uma pergunta inevitável: quem decide a cor do nosso tempo ou do tempo da sua casa? E mais do que isso, por que aceitamos essa decisão como um destino inevitável?

Se a cor é um signo cultural, um reflexo do espírito de uma época, como podemos reduzir sua escolha a um algoritmo de mercado? A era da globalização prometia um mundo mais plural, onde múltiplas vozes participariam da construção do gosto e da estética. No entanto, o que testemunhamos é uma homogeneização da percepção, onde uma empresa – ou um pequeno grupo de “especialistas” – determina o que será moderno e o que será obsoleto.

A cor como totalização do instinto e do agir

A cor não é apenas um elemento decorativo. Ela define estados de espírito, evoca memórias e molda identidades. O vermelho mobiliza, o azul acalma, o amarelo instiga. Mas a escolha da cor não é apenas psicológica; ela é profundamente social. Em diferentes culturas, os mesmos matizes carregam significados opostos. O branco, símbolo de pureza no Ocidente, é luto no Oriente. O roxo, que na Europa remete à nobreza, na América Latina pode remeter à religiosidade e ao misticismo.

Então, quando alguém nos diz que “a cor do ano é lavanda”, não está apenas ditando uma escolha estética, mas impondo um pensamento único, uma uniformização que não dialoga com a complexidade do mundo. Quem define essa escolha? Os gostos de uma elite criativa em Londres ou Nova York? O cruzamento de grandes bancos de dados que analisam as buscas dos consumidores? Ou a força invisível do capital, que transforma tudo em uma questão de consumo e previsibilidade?

O WGSN e as regras incontestáveis do presente

O WGSN se tornou um oráculo corporativo, um “Google das tendências”, capaz de prever o que as pessoas vão querer antes mesmo de saberem disso. Seu método é sofisticado: análise de comportamento, inteligência artificial, cruzamento de dados de diferentes indústrias. Parece imparcial, mas esconde um vício de origem: a crença de que há um caminho certo a ser seguido, e que esse caminho pode ser antecipado por aqueles que detêm os códigos da modernidade.

Essa ideia de “tendência global” ignora que vivemos em uma era de resistência às narrativas únicas. Se antes a cultura fluía do centro para a periferia, hoje a periferia reescreve o centro. As tendências não deveriam ser previsões verticais, mas sim reflexos horizontais das multiplicidades do mundo.

Por uma nova abstração da cor

Se a cor é uma abstração de um movimento cultural, como podemos aceitar que um único movimento – o do mercado global – tenha o monopólio dessa abstração? A cor de uma época não pode ser definida de antemão, mas apenas compreendida a posteriori, como um rastro daquilo que já foi vivido.

A resistência à uniformização das cores não é um capricho estético, mas uma defesa da diversidade cultural. Assim como não podemos aceitar uma única narrativa histórica ou uma única identidade de gênero, também não podemos aceitar que um único espectro cromático defina o espírito de um ano. Se a globalização tem alguma lição a nos dar, é que o mundo não se reduz a uma só voz – nem a uma só cor.

Se insistirmos em definir a cor de 2025, que seja uma cor não prevista, não mercantilizada, não unificada. Que seja a cor da resistência, da imprevisibilidade e da autonomia. Talvez, no fim das contas, a cor do futuro não precise de um nome, mas ter apenas seus inúmeros tons.

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